Nunca penso muito bem quando decido prestigiar alguém, a pessoa simplesmente está ali posta - como uma flor retumbante num jardim nada esbelto – e quando vejo estou admirado. Vou logo pondo meus olhos por cima dela, e de repente uma voz começa a falar palavras doces expressando uma harmonia entre os meus sentidos para a beleza que a minha frente faz pose. Particularizar o que acontece-me é tarefa trivial, posso dizer que geralmente não é apenas a beleza, mas os gestos daquela que vagueia pelo mundo, como uma flor retumbante num jardim nada esbelto.
O relógio badalava pelas vinte três horas de um dia cansativo, pelo menos para mim o foi. Mas estava intensamente alegre, acabava de ir a uma apresentação de um grupo de teatro, e como de costume, fiquei enfeitiçado. Sorria pelos vagões do comboio que para mim tarde partia. A música que saia do auscultador do meu telefone ajudava-me a não dormir e estar ainda mais ditoso em estar vivo nesta vida vivida. Mas o que fez meu peito incendiar e bater num compasso faustoso foi a presença de uma mulher que já devia ter dado quase o dobro de voltas que eu dei a volta do sol. Era uma flor madura cheia de encanto e doçura jovial, loiro os seus cabelos e olhos grandes d´um azul piscina. Sem me aperceber a caneta já deslizava deixando rastros no papel a que a outrora apenas a tonalidade branca o preenchia. Em pouco tempo já estava ali esboçado uma trova na qual incitava a beleza daquela flor madura cheia de encanto e doçura jovial…
Que jovial Mulher admirável
Não carrega um sorriso escancarado.
Transformando a beleza,
No fervor inabalável.
O livro que aos poucos lê,
Deve correr lágrimas ou reter
Todo o sentimentalismo,
Que a mim é inatingível.
Não pense minha flor madura,
Senão o seu fino olhar perturba.
Eu te deixarei por agora,
Mas sei que esse altar
Da minha parte feito,
Não será jogado fora.
Agradecido & Agraciado pela sua beleza,
Pedro O Poeta Gomes.
Dobrei a copia dactilografada do papel do meu caderno arrancado em desenho triangular, como representação geométrica do feminino. Em posição de sentido e concentração pensava em algum estratagema para poder a ela dedicar o registado. Contudo o comboio movia-se pelos trilhos ferroviários cada vez mais veloz, fazendo contra-peso com o tempo que encurtava-se em cada estação ultrapassada. Eu estava perdido em minha própria vontade, queria mais não devia, devia mais desistia, contemplava mais não a dedicava… ela era tão bela a folhear as paginas do livro, que eu já imaginava ela a deslocar os ouvidos de mim e não para mim. Toda a populaça que no comboio estava, de nada parecia ajudar-me, pessoas tristes e cansadas vindas de algum trabalho ardo, eu estava ainda mais abatido de ter tal plateia a volta. Apesar de tudo apenas de mim depender, eu colocava a culpa em todos eles e a ela também por ser tão bela e fazer de mim um escravo de sua formosura. Como um fracassado destroçado eu via o comboio parti e eu ficar sem a ela ter lhe presenteado com a loa que apenas a ela foi dedicada.
A sorrir para não chorar, apanhei o táxi e tentei fazer da sandice consciência, proferindo-me:
Assim foi pois assim devia ser. Tudo será viabilizado.